domingo, 12 de março de 2017

Os Donos da Terra - Parte 4 (Maquiagem verde no Tapajós).

Á MAIS DE 30 ANOS, empresas de diversos setores têm usado estratégias de marketing para esconder os impactos sociais e ambientais negativos de suas operações. É a chamada “maquiagem verde”, ou greenwash, em inglês. O caso recente da Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), embora não seja exatamente inédito, está “zerando” as definições de “maquiagem verde” na Amazônia.
Em abril de 2014, a CHTP, que construiu e opera a Usina Hidrelétrica Teles Pires, uma das quatro sendo finalizadas no rio Teles Pires, recebeu o Certificado Selo Verde na categoria Gestão Socioambiental Responsável do Prêmio Chico Mendes. O certificado é um reconhecimento do Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes a empresas que são “exemplos de solução de conflitos entre desenvolvimento, justiça social e equilíbrio ambiental”.
O Prêmio Chico Mendes não é o único reconhecimento “verde” que a CHTP ostenta. Dois outros grupos ligados ao setor energético – Power Brasil e Instituto Acende Brasil – premiaram a empresa em 2014 e 2016, respectivamente, por sua inovação e em reconhecimento ao seu empenho social e ambiental. Lideranças indígenas, pesquisadores e ambientalistas se perguntam como é possível que a UHE Teles Pires seja considerada esse “exemplo de sustentabilidade”. Afinal, o empreendimento é conhecido por ter prejudicado a vida das comunidades tradicionais e dos povos indígenas, impactado a biodiversidade, ter acelerado o desmatamento na sua área de influência e, ainda, ter destruído locais sagrados para os índios da região.
Átila Rocha Macedo, coordenador de Comunicação Social da CHTP, mostra bem o viés propagandístico da companhia quando diz à reportagem que o Certificado Selo Verde foi concedido em reconhecimento à contribuição que a empresa faz ao desenvolvimento sustentável e à “melhoria de vida da população nos municípios em sua área de abrangência”.
Por outro lado, o arqueólogo Francisco Pugliese, pesquisador do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, afirma, em entrevista a The Intercept Brasil, que “esse prêmio vai contra tudo o que se espera de algo que carrega o nome Chico Mendes e seus desdobramentos serão catastróficos se a UHE Teles Pires for tomada como exemplo de responsabilidade social”.
A UHE Teles Pires custou mais de R$ 4 bilhões e tem capacidade máxima de geração de 1.820 megawatts, energia suficiente para abastecer uma população de 5 milhões de habitantes. A usina foi construída na divisa de Mato Grosso e Pará, sobre o rio Teles Pires, principal formador do rio Tapajós, e recebeu a licença de instalação do Ibama em 2010. A obra estava pronta para entrar em operação em novembro de 2015. A oposição ao projeto, com inúmeros protestos e ações judiciais de povos indígenas, comunidades tradicionais, pesquisadores e Ministério Público Federal (MPF), começou ainda durante a fase de estudos da usina e continua até hoje.
Clique aqui para ler a matéria na íntegra

quarta-feira, 1 de março de 2017

Os Donos da Terra - Parte 3 (Avanço das Hidrelétricas sobre as terras dos Índios Munduruku)


UM TEMPO de morte. Os Munduruku vão começar a morrer. Vão começar a se acidentar e até acidente simples vai matar o Munduruku. Vai cair raio e matar o índio. O índio vai tá trabalhando na roça e um pau vai cair em cima do índio e não é à toa que o pau vai cair em cima dele. Ponta de pau afiado vai furar o índio que estiver caçando. E é impacto porque o governo mexeu no lugar sagrado”.
Krixi Biwün (ou Valmira Krixi Munduruku, como consta em seu batismo cristão) é uma guerreira e importante matriarca da aldeia Teles Pires, localizada à margem direita do rio de mesmo nome na divisa entre Pará e Mato Grosso (ver mapa). A sabedoria sobre antigas histórias de seu povo fazem de Biwün uma grande liderança da aldeia. Seu conhecimento tradicional ensina desde como se deve banhar uma menina com ervas para que se torne uma brava guerreira até as histórias da cosmologia de seu povo.

Suspensão de Segurança ou de Direitos?

Em resposta a ações ajuizadas pelo MPF, a Justiça Federal de Mato Grosso chegou a parar as obras das barragens em decorrência do descumprimento da obrigatoriedade da Consulta Prévia, uma vez que havia evidências de que os índios enfrentariam “danos iminentes e irreversíveis para sua qualidade de vida e seu patrimônio”. Porém, sempre que o MPF obtinha vitórias em favor dos povos indígenas, os grandes interesses do setor energético as derrubavam em instâncias superiores.
Em grande medida, essa dinâmica ocorreu porque, durante os treze anos de gestão federal do PT, intensificou-se o uso de um mecanismo chamado “Suspensão de Segurança”. Trata-se de um instrumento jurídico amplamente empregado pela ditadura militar, em que uma decisão judicial fundamentada legalmente pode ser revertida em instância superior em nome da “segurança nacional”, da “ordem pública” ou da “economia nacional”.
Segundo o Procurador da República Luís de Camões Lima Boaventura, “dados levantados pelo MPF concluem que, apenas em relação aos projetos hidrelétricos da bacia do Teles Pires-Tapajós, obtivemos 80% de vitórias em ações judiciais que buscavam o ajuste de tais empreendimentos à legalidade. Nenhuma dessas decisões foi observada. Todas foram revertidas por suspensão de segurança”.
Em março de 2016, o Brasil recebeu a visita de Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre povos indígenas, que também mostrou preocupação com o uso da suspensão de segurança. A relatora da ONU referiu-se ao instrumento jurídico como um grande obstáculo à defesa dos direitos dos povos indígenas no judiciário brasileiro.
“Eu diria que a Amazônia não tem sido vista como um território a ser conquistado. Pior, tem sido vista como um território a ser saqueado. A exploração que em regra aqui se pratica é predação”, diz Procurador da República Luís de Camões Lima Boaventura.