quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Conversando sobre Climatologia - Entrevista com o Professor Emerson Galvani - Fevereiro de 2014.

Este ano ocorrerá o XI Simpósio Brasileiro de Climatologia em Curitiba, no mês de outubro. Vejam as informações no site da Abclima (www.abclima.ggf.br). E como parte do trabalho do Laboratório de Biogeografia e Climatologia (Bioclima), neste ano de 2014 procurará aprofundar as discussões climatológicas no cenário nacional, tentando trazer para você, leitor, mais convidados para conversar conosco. Iniciamos o ano de 2014, com a entrevista do Professor Doutor Emerson Galvani do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo – USP. Boa leitura e participe.


BIOCLIMA: Prof. Emerson Galvani, apesar de ser morador da cidade de São Paulo, acredito que deva conhecer outras regiões do Estado. E como no nosso blog tem leitores de diversas partes do Brasil, gostaria que pudesse explicar as diferenciações climáticas que podem ser encontradas no Estado de São Paulo.

PROF. EMERSON GALVANI - FFLCH- DG-USP
E.G. O estado de São Paulo pela sua posição latitudinal apresenta-se em uma faixa de domínio climático de transição – entre os climas com características de tropicalidade e aqueles com influência de climas extratropicais. É comum termos verões (e primaveras) com temperaturas elevadas e outonos e invernos com temperaturas reduzidas. A configuração longitudinal do estado de São Paulo também é importante controle climático, pois temos áreas próximas ao Oceano Atlântico – efeito da maritimidade e, áreas distantes do oceano, como o interior paulista, onde os efeitos da continentalidade são mais perceptíveis. Aliado a isso temos uma variação altitudinal significativa na região que compõe as Serra do Mar e Mantiqueira, na divisa com o estado de Minas Gerais. Tenho o hábito de comentar que o estado de São Paulo, torna-se mais seco (menos chuvoso) e com temperaturas mais elevadas a medida que caminhamos para a direção norte e noroeste do estado. No ambiente urbano temos ainda a configuração do Sistema Clima Urbano onde o perfil de uso e cobertura do solo, aliado as atividades humanas, é capaz de produzir significativas diferenças de temperatura e umidade relativa do ar em relação ao ambiente não urbanizado próximo.

BIOCLIMA: Em seu livro Climatologia aplicada, destaca a importância dos estudos de caso. Qual a relevância e a contribuição deste de estudo para a climatologia geográfica brasileira?

E.G. Os estudos de caso, aqueles verticalizados e com áreas reduzidas de análise baseado em dados empíricos primários, constituem importante linha de pesquisa no contexto da climatologia geográfica. Esses estudos em que o pesquisador consegue “tocar” seu objeto de estudo na escala de detalhe, 1:1, permite entender algumas relações que passam despercebidos quando se trabalha com dados secundários. Entender as partes e compor o todo parece-nos uma interessante forma de abstrair os estudos que envolvem a atmosfera e suas interações com a superfície. Na realidade é um jogo de forças e interações, esse nível escalar, micro, topo, meso, está sujeito a energias de escalas maiores que também devem ser considerados nas análises.
 
Prof. Emerson Galvani ministrando curso de clima e agricultura no DGE/UFV     
  
BIOCLIMA:. A algum tempo, o Senhor desenvolve estudos relacionados ao clima do Mangue. Acredito que resultados interessantes já deva ter encontrado. Neste sentido, qual o significado climático do ecossistema mangue para os estudos de climatologia geográfica.

E.G. O ambiente de manguezal é ecossistema costeiro de transição entre o ambiente terrestre e o ambiente marinho, condicionado, fortemente, pelo regime e atuação das marés, ou seja, os manguezais só estão ali porque nenhuma outra espécie vegetal tem competência para se adaptar a esse ambiente de águas salobras. O mangue (quando me refiro a um individuo, uma árvore) e o manguezal (quando me refiro ao conjunto de árvores do mangue) apresenta inúmeras funções, dentre elas: proteção da linha de costa (após a ocorrência de grandes ondas ou tsunamis é evidente o papel dessa vegetação na linha de costa); refúgios de espécies marinhas, estuarinas e terrestres;  Filtro biológico, absorvendo e imobilizando produtos químicos, inclusive esgotos; Fonte de alimento e de produtos diversos, associados à subsistência de comunidades tradicionais; Possibilita atividades de recreação e lazer, associado ao seu alto valor cênico, entre outras funções. Os principais resultados das pesquisas que desenvolvemos, no nível microclimático, tem evidenciado o papel da vegetação – dossel – na atenuação e redistribuição de energia no interior desse ambiente, proporcionando a manutenção e expansão da flora e da fauna que ali habitam.
BIOCLIMA: Em publicado na Revista Brasileira de Climatologia, o senhor aborda a influência da topografia na distribuição das chuvas em Ilha ela. Apesar de poucos estudos, realizados no Brasil, pode-se dizer que existam eventos episódicos, em que total pluvial precipitado é maior em altitudes inferiores? Como se explica isso?

E.G. Esse trabalho mencionado é resultado da dissertação de Mestrado do aluno Marcos Milanesi defendido aqui no Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da USP. O objetivo do trabalho era estudar o efeito orográfico produzido pelo relevo da Ilha de São Sebastião (município de Ilha Bela, SP). Foi um trabalho árduo de monitoramento das precipitações durante um ano hidrológico (outubro a setembro) com avaliações mensais do total precipitado. Os pluviômetros, seis no total, foram instalados em um transecto com alinhamento leste-oeste, iniciando-se na Praia de Castelhanos, passando pelo divisor a 690 m ANMM e finalizando no centro de Ilha Bela. Os dados demonstram que a vertente a barlavento precipita 60% e, a vertente a sotavento 40% do total do perfil indicando uma “sombra de chuva” na vertente a sotavento. Esse efeito – orográfico – é potencializado pela elevação da parcela de ar oriunda do oceano – úmida. Para que esse efeito se manifeste é necessária à combinação de alguns fatores: elevação significativa da parcela de ar condicionada pelo relevo, presença de umidade, no caso do oceano mas esse efeito pode ocorrer em áreas distantes do oceano e, persistência de ventos que forçam, mecanicamente a elevação da parcela de ar. Respondendo sua pergunta é possível sim a ocorrência de totais pluviométricos mais elevados em altitudes inferiores em alguns eventos, isso dependerá do tipo de precipitação, convectiva, por exemplo, contudo os totais anuais tendem a ser mais elevados em áreas com altitudes mis elevadas e com condições físicas de estimular o efeito orográfico. 
 
 
BIOCLIMA: Como a última questão. Gostaríamos que o senhor, que já foi ex-presidente da Associação Brasileira de Climatologia, nos apresentasse a sua visão do atual cenário da climatologia geográfica brasileira.

E.G. A ABClima tem se consolidado nos últimos anos como uma entidade forte e atuante. Fui secretário da associação da gestão 2006 a 2008 sob a presidência do professor Dr. José Bueno Conti e entre 2008 a 2010 atuei como presidente da entidade. A ABClima tem se sustentado em duas vertentes: A Revista Brasileira de Climatologia (já com 13 volumes publicados) e os Simpósios Brasileiros de Climatologia Geográfica (caminhando para a XI edição). Isso, sem dúvida, indica que a entidade está consolidada no meio científico nacional. A perspectiva futura, no meio olhar, é cada vez mais consolidarmos o SBCG, convidando novos colegas e integraram as mesas e as conferências do evento e enviando artigos para a Revista, somente assim, com a participação cada vez maior dos pesquisadores e grupos de pesquisa é que teremos, ainda mais, o fortalecimento da ABClima. 
 
 
Prof. Emerson Galvani (egalvani@usp.br)
Laboratório de Climatologia e Biogeografia – LCB/USP

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