O Prof. Dr. Carlos Henrique Jardim, autor do texto em cena, busca não somente apresentar o significado da existência de áreas verdes nas cidades, mas também refletir sobre conceitos e paradigmas presentes no âmbito da climatologia urbana, de forma crítica, contundente e, sobretudo plausível.
Para isso o autor inicia seu trabalho com as seguintes palavras: “Um bom livro ou filme nem sempre é aquele que traz respostas às questões abordadas, mas aqueles que trazem questionamentos que levam as pessoas a pensar sobre determinados assuntos” (JARDIM, 2010, p. 9).
Muitos dos trabalhos de clima urbano consistem em identificar ilhas de calor nas cidades tomadas como objeto de estudo e verificar o quanto elas são mais quentes que o entorno imediato, como se apenas isso fosse o suficiente para afirmar a existência, ou não, do clima urbano. Como salienta Assis (2005) refletindo sobre os trabalhos de clima urbano e sua aplicabilidade, principalmente na área do planejamento urbano:
"Embora se reconheça atualmente a importância da climatologia urbana para o planejamento e a preservação da qualidade ambiental do meio urbano, sua aplicação às atividades de planejamento e projetos das cidades ainda é muito limitada, em parte devido à uma abordagem fragmentada e desintegrada entre os diversos campos do conhecimento envolvidos, em parte devido ao fato de que a grande maioria dos trabalhos nessa área, tanto no Brasil quanto no exterior, são descritivos e, portanto, seus resultados ficam restritos ao caso em estudo (ASSIS, 2005, p. 93).
Não pretendo aqui menosprezar os variados esforços desempenhados pelos companheiros que se aventuraram (e se aventuram) em “adentrar a cidade para tomar-lhe a temperatura”, como diz Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro logo no título de seu texto (MONTEIRO, 1990). Até mesmo porque sabemos das dificuldades em desenvolver pesquisas desse caráter e também da relevância das mesmas na compreensão da configuração climática das cidades. Busco aqui realizar provocações sobre questões de interesse da climatologia urbana e áreas afins, tal como Jardim (2010) realizou em seu trabalho, levando-nos à reflexão.
Para Jardim (2010) uma questão ainda não satisfatória nos trabalhos de clima urbano é o próprio conceito de “clima urbano”. Conforme Monteiro, citado por Jardim (2010), o clima urbano é [...] “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização”. Já Barbirato et al. (2000), apoiando-se em Oke, dizem que: “ O clima urbano é uma modificação substancial de um clima local resultado das condições particulares do meio urbano, seja pela sua rugosidade, ocupação do solo, orientação, permeabilidade ou propriedades dos matérias constituintes, entre outros fatores (Oke, 1996)”.
Com base nessas definições e em inúmeras outras que poderiam ser aqui apresentadas, somos levados às seguintes indagações: Qualquer núcleo urbano que se diferencie climaticamente das áreas adjacentes possui um clima urbano? Uma pequena cidade localizada no fundo de um vale pode apresentar temperaturas diferentes de seu entorno, teria ela um clima urbano? O que estaria provocando essa diferença de temperatura, a urbanização ainda não consolidada ou a dinâmica de circulação do ar desencadeada pelo vale? Uma vez que nem sempre é possível eliminar o efeito da altitude para compreensão do campo térmico das cidades, principalmente em áreas de relevo fortemente dissecado, como mostrou Fialho (2009) em sua tese de doutorado sobre a cidade de Viçosa-MG.
Esse mesmo exercício de reflexão pode ser feito para o conceito de ilha de calor, uma vez que não se tem definido ao certo a partir de quantos graus de diferença de temperatura de uma área para outra é válida a utilização de tal conceito. Dessa forma, uma área que se diferencie em 1 °C de temperatura a mais que seu entorno poderia ser identificada como ilha de calor? A respeito das ilhas de calor e das diferenças de temperatura entre o campo e a cidade, Jardim levanta os seguintes questionamentos:
[...] "uma vez detectadas essas 'diferenças', o que há de se fazer? Estudar o clima urbano para compreender o clima urbano? Talvez fosse mais sensato estudar o clima urbano com a finalidade de compreender a sua influência na organização espacial de certos fenômenos, mesmo que for para chegar à conclusão de que o problema, quando existe, nem é tão relevante assim". (JARDIM, 2010, p. 18).
Muitas das vezes a ilha de calor é “vendida” como algo negativo, insalubre e até mesmo como a prova da existência do clima urbano. Seria mesmo a ilha de calor um fato negativo em todas as ocasiões e em todas as cidades do Brasil, dada a sua extensão latitudinal que propicia a existência de diferentes regiões climáticas?
Segundo Jardim (2010) a capacidade das cidades em modificar o clima é limitada, restringindo-se a determinados níveis escalares. Por isso, somente identificar a ilha de calor não é o suficiente para constatar se há de fato um clima urbano, é preciso também monitorar sua magnitude e escala de abrangência, assim como buscar verificar se a cidade exerce controle, ou influência significativa, sobre os elementos do clima.
A criação de áreas verdes no interior das cidades, independente da existência ou não de um clima urbano, é recomendada por diversos pesquisadores do assunto. Alguns dos benefícios das áreas verdes destacados no texto de Jardim (2010) são: (1) “Melhorar o clima, diminuir a poluição do ar, economizar energia”. (2) “Contribuir para a saúde física e mental e influir positivamente, por exemplo, na recuperação de pacientes pós-operatórios”. (3) “Redução da emissão de dióxidos de carbono”. (4) Propiciar a permanência de um maior número de organismos na cidade, por servir de refúgio e fonte de alimento para a fauna. (5) “Maior infiltração da água no solo e manutenção dos níveis do lençol freático”. (6) “Contenção de encostas”. (7) Formação de solo e etc.
Segundo Gomes e Soares citados no trabalho de Rocha e Fialho (2010), a vegetação nas áreas urbanas também agem no sentido de reduzir os níveis de ruídos, uma vez que servem de amortecedor aos barulhos emitidos por diferentes fontes, principalmente os automóveis. No entanto, não é somente a criação de parques, jardins e canteiros centrais com árvores que vão minimizar a degradação ambiental existente nas cidades - incluindo aquelas de pequeno e médio porte, que segundo Mendonça (2003), já contam com problemas ambientais preocupantes. Afinal, a ação benéfica das áreas verdes no interior da mancha urbana também se restringe a determinados níveis escalares.
Assim, as áreas verdes não podem ser tomadas como sendo a solução para muitos dos efeitos prejudiciais à saúde desencadeados no interior das cidades, sobretudo nas grandes metrópoles. Pois bem como afirma Jardim (2010, p. 23) [...] “não é a arborização de praças e ruas e a inclusão de detalhes nos edifícios que impedirão a invasão de uma massa de ar quente e seca ou o impacto pluvial concentrado. A cidade deveria ser pensada de forma a se integrar ao ambiente e não ao contrário”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, E. S. A abordagem do clima urbano e aplicações no planejamento da cidade: reflexões sobre uma trajetória. ENCAC – ELACAC 2005, Maceió, Alagoas, Brasil – 5 a 7 de outubro de 2005, p. 92 – 101.
FIALHO, E. S. Ilha de calor em cidade de pequeno porte: Caso de Viçosa, na Zona da Mata Mineira.. 248f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências e Artes, Programa de Pós-graduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
JARDIM, C. H. Variações da temperatura do ar e o papel das áreas verdes nas pesquisas de climatologia urbana. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 10, n. 1, p. 9 – 25, jan./jun. 2010.
MENDONÇA, F. Clima e Planejamento Urbano em Londrina: proposição metodológica e de intervenção urbana a partir do estudo do campo termo-higrométrico. In: MONTEIRO, C. A. F.; MENDONÇA, F. (orgs). Clima Urbano. São Paulo: Contexto, 2003. p. 93-120.
MONTEIRO, C. A. F. Adentrar a cidade para tomar-lhe a temperatura. Geosul, ano V, n. 9, primeiro semestre de 1990.
ROCHA, V. M.; FIALHO, E. S. Uso da Terra e suas Implicações na Variação Termo-Higrométrico ao longo de um Transeto Campo-Cidade no Município de Viçosa-MG. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, MG, v. 10, n. 1, p. 64-77, jan./jun. 2010.
SEZERINO, M. L.; MONTEIRO, C. A. F. O campo térmico na cidade de Florianópolis: primeiros experimentos. Geosul, ano V, n. 9, primeiro semestre de 1990.
Texto produzido por Rafael de Souza ALVES. Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq 2010-2012. Membro do Laboratório de Biogeografia e Climatologia (BIOCLIMA – UFV). Contato: rafael.s.alves@ufv.br
Para isso o autor inicia seu trabalho com as seguintes palavras: “Um bom livro ou filme nem sempre é aquele que traz respostas às questões abordadas, mas aqueles que trazem questionamentos que levam as pessoas a pensar sobre determinados assuntos” (JARDIM, 2010, p. 9).
Muitos dos trabalhos de clima urbano consistem em identificar ilhas de calor nas cidades tomadas como objeto de estudo e verificar o quanto elas são mais quentes que o entorno imediato, como se apenas isso fosse o suficiente para afirmar a existência, ou não, do clima urbano. Como salienta Assis (2005) refletindo sobre os trabalhos de clima urbano e sua aplicabilidade, principalmente na área do planejamento urbano:
"Embora se reconheça atualmente a importância da climatologia urbana para o planejamento e a preservação da qualidade ambiental do meio urbano, sua aplicação às atividades de planejamento e projetos das cidades ainda é muito limitada, em parte devido à uma abordagem fragmentada e desintegrada entre os diversos campos do conhecimento envolvidos, em parte devido ao fato de que a grande maioria dos trabalhos nessa área, tanto no Brasil quanto no exterior, são descritivos e, portanto, seus resultados ficam restritos ao caso em estudo (ASSIS, 2005, p. 93).
Não pretendo aqui menosprezar os variados esforços desempenhados pelos companheiros que se aventuraram (e se aventuram) em “adentrar a cidade para tomar-lhe a temperatura”, como diz Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro logo no título de seu texto (MONTEIRO, 1990). Até mesmo porque sabemos das dificuldades em desenvolver pesquisas desse caráter e também da relevância das mesmas na compreensão da configuração climática das cidades. Busco aqui realizar provocações sobre questões de interesse da climatologia urbana e áreas afins, tal como Jardim (2010) realizou em seu trabalho, levando-nos à reflexão.
Para Jardim (2010) uma questão ainda não satisfatória nos trabalhos de clima urbano é o próprio conceito de “clima urbano”. Conforme Monteiro, citado por Jardim (2010), o clima urbano é [...] “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização”. Já Barbirato et al. (2000), apoiando-se em Oke, dizem que: “ O clima urbano é uma modificação substancial de um clima local resultado das condições particulares do meio urbano, seja pela sua rugosidade, ocupação do solo, orientação, permeabilidade ou propriedades dos matérias constituintes, entre outros fatores (Oke, 1996)”.
Com base nessas definições e em inúmeras outras que poderiam ser aqui apresentadas, somos levados às seguintes indagações: Qualquer núcleo urbano que se diferencie climaticamente das áreas adjacentes possui um clima urbano? Uma pequena cidade localizada no fundo de um vale pode apresentar temperaturas diferentes de seu entorno, teria ela um clima urbano? O que estaria provocando essa diferença de temperatura, a urbanização ainda não consolidada ou a dinâmica de circulação do ar desencadeada pelo vale? Uma vez que nem sempre é possível eliminar o efeito da altitude para compreensão do campo térmico das cidades, principalmente em áreas de relevo fortemente dissecado, como mostrou Fialho (2009) em sua tese de doutorado sobre a cidade de Viçosa-MG.
Esse mesmo exercício de reflexão pode ser feito para o conceito de ilha de calor, uma vez que não se tem definido ao certo a partir de quantos graus de diferença de temperatura de uma área para outra é válida a utilização de tal conceito. Dessa forma, uma área que se diferencie em 1 °C de temperatura a mais que seu entorno poderia ser identificada como ilha de calor? A respeito das ilhas de calor e das diferenças de temperatura entre o campo e a cidade, Jardim levanta os seguintes questionamentos:
[...] "uma vez detectadas essas 'diferenças', o que há de se fazer? Estudar o clima urbano para compreender o clima urbano? Talvez fosse mais sensato estudar o clima urbano com a finalidade de compreender a sua influência na organização espacial de certos fenômenos, mesmo que for para chegar à conclusão de que o problema, quando existe, nem é tão relevante assim". (JARDIM, 2010, p. 18).
Muitas das vezes a ilha de calor é “vendida” como algo negativo, insalubre e até mesmo como a prova da existência do clima urbano. Seria mesmo a ilha de calor um fato negativo em todas as ocasiões e em todas as cidades do Brasil, dada a sua extensão latitudinal que propicia a existência de diferentes regiões climáticas?
Segundo Jardim (2010) a capacidade das cidades em modificar o clima é limitada, restringindo-se a determinados níveis escalares. Por isso, somente identificar a ilha de calor não é o suficiente para constatar se há de fato um clima urbano, é preciso também monitorar sua magnitude e escala de abrangência, assim como buscar verificar se a cidade exerce controle, ou influência significativa, sobre os elementos do clima.
A criação de áreas verdes no interior das cidades, independente da existência ou não de um clima urbano, é recomendada por diversos pesquisadores do assunto. Alguns dos benefícios das áreas verdes destacados no texto de Jardim (2010) são: (1) “Melhorar o clima, diminuir a poluição do ar, economizar energia”. (2) “Contribuir para a saúde física e mental e influir positivamente, por exemplo, na recuperação de pacientes pós-operatórios”. (3) “Redução da emissão de dióxidos de carbono”. (4) Propiciar a permanência de um maior número de organismos na cidade, por servir de refúgio e fonte de alimento para a fauna. (5) “Maior infiltração da água no solo e manutenção dos níveis do lençol freático”. (6) “Contenção de encostas”. (7) Formação de solo e etc.
Segundo Gomes e Soares citados no trabalho de Rocha e Fialho (2010), a vegetação nas áreas urbanas também agem no sentido de reduzir os níveis de ruídos, uma vez que servem de amortecedor aos barulhos emitidos por diferentes fontes, principalmente os automóveis. No entanto, não é somente a criação de parques, jardins e canteiros centrais com árvores que vão minimizar a degradação ambiental existente nas cidades - incluindo aquelas de pequeno e médio porte, que segundo Mendonça (2003), já contam com problemas ambientais preocupantes. Afinal, a ação benéfica das áreas verdes no interior da mancha urbana também se restringe a determinados níveis escalares.
Assim, as áreas verdes não podem ser tomadas como sendo a solução para muitos dos efeitos prejudiciais à saúde desencadeados no interior das cidades, sobretudo nas grandes metrópoles. Pois bem como afirma Jardim (2010, p. 23) [...] “não é a arborização de praças e ruas e a inclusão de detalhes nos edifícios que impedirão a invasão de uma massa de ar quente e seca ou o impacto pluvial concentrado. A cidade deveria ser pensada de forma a se integrar ao ambiente e não ao contrário”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, E. S. A abordagem do clima urbano e aplicações no planejamento da cidade: reflexões sobre uma trajetória. ENCAC – ELACAC 2005, Maceió, Alagoas, Brasil – 5 a 7 de outubro de 2005, p. 92 – 101.
FIALHO, E. S. Ilha de calor em cidade de pequeno porte: Caso de Viçosa, na Zona da Mata Mineira.. 248f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências e Artes, Programa de Pós-graduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
JARDIM, C. H. Variações da temperatura do ar e o papel das áreas verdes nas pesquisas de climatologia urbana. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 10, n. 1, p. 9 – 25, jan./jun. 2010.
MENDONÇA, F. Clima e Planejamento Urbano em Londrina: proposição metodológica e de intervenção urbana a partir do estudo do campo termo-higrométrico. In: MONTEIRO, C. A. F.; MENDONÇA, F. (orgs). Clima Urbano. São Paulo: Contexto, 2003. p. 93-120.
MONTEIRO, C. A. F. Adentrar a cidade para tomar-lhe a temperatura. Geosul, ano V, n. 9, primeiro semestre de 1990.
ROCHA, V. M.; FIALHO, E. S. Uso da Terra e suas Implicações na Variação Termo-Higrométrico ao longo de um Transeto Campo-Cidade no Município de Viçosa-MG. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, MG, v. 10, n. 1, p. 64-77, jan./jun. 2010.
SEZERINO, M. L.; MONTEIRO, C. A. F. O campo térmico na cidade de Florianópolis: primeiros experimentos. Geosul, ano V, n. 9, primeiro semestre de 1990.
Texto produzido por Rafael de Souza ALVES. Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq 2010-2012. Membro do Laboratório de Biogeografia e Climatologia (BIOCLIMA – UFV). Contato: rafael.s.alves@ufv.br
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