segunda-feira, 11 de maio de 2015

Entrevista com a Professora Ercília Steinke da Universidade de Brasília

Entrevista com a Professora Ercília Steinke da Universidade de Brasília,

1. Bioclima: Profa. Ercília, o nosso blog tem muitas acesso de alunos do ensino médio e fundamental. Então a primeira pergunta vem dentro do contexto da variação sazonal. A cidade de Brasília. Qual é o seu comportamento sazonal, quanto à pluviosidade e a temperatura e sua relação com a incidência de doenças do aparelho respiratório?


A cidade de Brasília, assim como todo o Distrito Federal, apresenta as características climáticas do Centro-Oeste, ou seja, verão chuvoso e inverno seco. A estação chuvosa se inicia em outubro e vai até meados de abril, e a estação seca se prolonga de maio a setembro, sendo setembro o mês mais quente e seco. O nosso clima é classificado como Tropical do Brasil Central com 4 a 5 meses secos. A temperatura média anual é de cerca de 21 C, podendo ultrapassar os 32°C em setembro, e chegar a 12°C nas madrugadas de inverno, em julho. Ressalto, porém, que durante o dia, na seca, em função da elevada incidência solar, as temperaturas se mantêm elevadas. A umidade relativa do ar varia muito durante o ano, podendo chegar aos 20% ou, muitas vezes, menos durante o inverno. 
A estação seca é especialmente ruim para a população, pois, nesse período, sem chuvas, e com a umidade relativa do ar atingindo valores muito baixos, às vezes chegando a 10%, a incidência de casos de doenças ligadas ao aparelho respiratório aumenta muito. É muito comum verificarmos os hospitais cheios de crianças e idosos, que são os mais atingidos, com asma, bronquite, enfisema e outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Recentemente, um aluno ligado ao LCGea, Elton Keliton, fez uma pesquisa sobre o assunto e a sua investigação mostrou que existe uma sazonalidade dos casos de internação por doenças respiratórias no DF, evidenciando que as patologias desse grupo tem, predominantemente, relação inversa com a precipitação pluviométrica, temperaturas máxima, média e mínima e umidade relativa do ar, e relação direta com a pressão atmosférica, ou seja, quando o DF está sob o domínio de sistemas atmosféricos de alta pressão, os casos de internação eram maiores.

2.  Bioclima: Em relação aos problemas ambientais urbanos. Brasília superou os problemas dos eventos pluviais intensos, comportamento característico das chuvas nos períodos de verão e primavera.

Infelizmente no DF verificam-se inúmeros problemas relacionados a eventos pluviais extremos, pois regiões urbanas, cada dia mais abarrotadas de cimento e asfalto, não são preparadas para receberem a chuva, muito menos um volume de chuva elevado. Podemos observar muitas ruas sem bocas de lobo para o escoamento da água da chuva, e as que existem são muito pequenas para aguentar a vazão da água. Na própria área central de Brasília, no Plano Piloto, todos os anos, temos problemas com os viadutos, que aqui chamamos de tesourinhas, que a cada ano que passa, alagam mais ainda. Esse problema tem se intensificado porque essas tesourinhas estão localizadas em uma área mais rebaixada do terreno. Antigamente, a parte mais elevada do Plano Piloto era constituída de vegetação e era uma área onde a água da chuva caía e infiltrava no solo. Hoje, nessas áreas mais elevadas, foram construídos estacionamentos e edifícios, impermeabilizando a área. Ou seja, agora, toda a água da chuva que cai lá, não infiltra mais e escoa para as partes mais baixas – as tesourinhas. Como as bocas de lobo que existem nas tesourinhas não foram construídas para receber tanta água, acabam alagando. Isso sem contar a falta de educação da população em jogar lixo na rua que vai direto para as galerias de águas pluviais. Mas essa é só uma parte do problema...

Professora Ercília Steinke - Departamento de Geografia da Universidade de Brasília,
3. Bioclima: Brasília em 2011 comemorou 20 anos como cidade Patrimônio da Humanidade com um alerta sobre o conforto e a sustentabilidade nas superquadras do Plano Piloto. Com a expansão de Brasília, que provavelmente, descaracteriza o projeto do plano piloto, a questão do conforto térmico piorou? Explicite.

Essa questão é muito delicada para nós, pois perpassa por uma questão social. As áreas nobres do DF, como o Plano Piloto, onde estão as superquadras, não pode ser alterado, pois é tombado. Sendo assim, segue o planejamento original, com muita arborização. A não ser no mês de setembro, quando o tempo fica bem seco e quente, o conforto térmico, nessas áreas, não chega a ser um problema. Porém, nas áreas periféricas, onde vive a maioria da população do DF, a conversa é outra. Nessas áreas há uma intensa e desordenada urbanização. Por isso, as questões da temperatura do ar e da umidade relativa já são importantes. Já fizemos um trabalho que detectou que as áreas densamente construídas, intensamente ocupadas e com elevados índices de calor gerado pelas atividades antrópicas, apresentam-se, de maneira geral, com menores valores de umidade relativa e temperaturas mais elevadas do que aquelas áreas que contam com a presença de vegetação.


4. Bioclima: Agora falando sobre a questão do ensino de Geografia, a Professor vem desenvolvendo projetos de ensino de climatologia, no âmbito da Geografia, nos últimos anos. Nesse contexto, a professora poderia nos apresentar um cenário da atual condição do ensino de climatologia nos bancos escolares.

Bom, posso falar da realidade daqui da nossa região. Tenho pesquisado sobre o tema e conversado com professores e alunos do Ensino Básico. Infelizmente, não vejo mudanças significativas na hora de ensinar temas de Climatologia na escola. O ensino, de forma geral, continua enciclopédico. Os alunos ainda são chamados a memorizarem os tipos de clima do Brasil e os elementos do clima ainda são estudados de forma compartimentada. Vejo novas propostas sendo elaboradas, mas não colocadas em prática, elas não chegam nas escolas. A realidade, o espaço vivido pelo aluno é desconsiderado na hora de estudar Climatologia. Tenho tentado entender porque isso acontece. Compreendo que existem questões estruturais de ensino nas escolas, como carga horária, salário e etc, porém, eu tenho absoluta certeza que, ao invés de memorizar determinados tópicos, os alunos deveraim ser chamados a investigar os acontecimentos ligados ao tempo e ao clima que ocorrem perto deles. Garanto que eles iriam aprender. Por exemplo: aqui em Brasília, um pouco antes de se iniciar nosso período chuvoso, as cigarras começam a cantar (todo brasiliense sabe disso). Todo mundo sabe que quando elas começam a cantar significa que a chuva está próxima e que o período chuvoso vai começar. Isso acontece porque o período de eclosão dos casulos das cigarras só ocorre com a pressão atmosférica mais baixa e com a umidade em elevação. Tenho absoluta certeza que, se o professor levasse seus alunos para um jardim (as cigarras estão em todos os jardins), pegasse uma cigarra (os meninos acham o máximo e as meninas acham nojento) e falasse sobre isso com eles, eles nunca mais iam esquecer, pois faz parte da realidade de cada cidadão do DF. Pergunto: não seria muito mais legal do que ficar memorizando coisas?


5. Bioclima: Para finalizar. Profa. Ercília, como a Climatologia pode ser ou se transformar em um instrumento de gestão do espaço. Uma vez, que embora o conceito de cidade sustentável esteja em evidência, a especulação imobiliária também é intensa. Como a climatologia se insere nesse debate.

O meio urbano, onde a especulação imobiliária ganha destaque, apresenta três dimensões, a social (renda, educação, saúde, segurança), a ambiental (clima, aspectos físicos, nível de poluição) e a perceptiva (bem-estar e condições de vida). Porém, acredito que os gestores das cidades, apesar de afirmarem que compreendem a relação existente entre essas três dimensões, no momento de qualificar qual delas tem mais ou menos peso, sempre desconsideram os aspectos climáticos. Isso ocorre, talvez, porque o clima é algo quase abstrato, que não se enxerga. Já ouvi que o clima é a última coisa em que se deve pensar ao gerir uma cidade. Se assim for, algumas perguntas devem ser feitas: Ora, como irá haver bem-estar para a população se o calor produzido pela cidade não for amenizado por vegetação? Como a população vai conseguir ter boas condições de vida se seus carros ficam presos em alagamentos promovidos por falta de drenagem adequada depois de uma chuva intensa? E as doenças de veiculação hídrica, como evitá-las se a enchente ocorreu? Sem falar na segurança: recentemente uma menina morreu afogada dentro de um ônibus porque ele ficou preso dentro de um viaduto durante uma chuva forte. Temos segurança para andar nas ruas durante esses eventos de chuva? Essas minhas perguntas demonstram o quanto é importante considerar os aspectos climáticos na gestão do espaço. Esses aspectos, pelo menos em pouco tempo, não vão mudar. Sendo assim, o que tem que mudar é a cidade para se adaptar. O que tem que mudar é a cabeça dos gestores. A cada ano que passa novos alagamentos ocorrem novas enchentes, deslizamentos. E não adianta colocar a culpa na chuva.




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