Entrevista com a Professora Ercília Steinke da Universidade de Brasília,
1. Bioclima: Profa. Ercília, o
nosso blog tem muitas acesso de alunos do ensino médio e fundamental. Então a
primeira pergunta vem dentro do contexto da variação sazonal. A cidade de
Brasília. Qual é o seu comportamento sazonal, quanto à pluviosidade e a
temperatura e sua relação com a incidência de doenças do aparelho respiratório?
A cidade de
Brasília, assim como todo o Distrito Federal, apresenta as características
climáticas do Centro-Oeste, ou seja, verão chuvoso e inverno seco. A estação
chuvosa se inicia em outubro e vai até meados de abril, e a estação seca se
prolonga de maio a setembro, sendo setembro o mês mais quente e seco. O nosso
clima é classificado como Tropical
do Brasil Central com 4 a 5 meses secos. A
temperatura média anual é de cerca de 21 C, podendo ultrapassar os 32°C em
setembro, e chegar a 12°C nas madrugadas de inverno, em julho. Ressalto, porém,
que durante o dia, na seca, em função da elevada incidência solar, as
temperaturas se mantêm elevadas. A umidade relativa do ar varia muito durante o
ano, podendo chegar aos 20% ou, muitas vezes, menos durante o inverno.
A estação seca é
especialmente ruim para a população, pois, nesse período, sem chuvas, e com a
umidade relativa do ar atingindo valores muito baixos, às vezes chegando a 10%,
a incidência de casos de doenças ligadas ao aparelho respiratório aumenta
muito. É muito comum verificarmos os hospitais cheios de crianças e idosos, que
são os mais atingidos, com asma, bronquite, enfisema e outras doenças
pulmonares obstrutivas crônicas. Recentemente, um aluno ligado ao LCGea, Elton
Keliton, fez uma pesquisa sobre o assunto e a sua investigação mostrou que
existe uma sazonalidade dos casos de internação por doenças respiratórias no
DF, evidenciando que as patologias desse grupo tem, predominantemente, relação
inversa com a precipitação pluviométrica, temperaturas máxima, média e mínima e
umidade relativa do ar, e relação direta com a pressão atmosférica, ou seja,
quando o DF está sob o domínio de sistemas atmosféricos de alta pressão, os
casos de internação eram maiores.
2. Bioclima: Em relação aos
problemas ambientais urbanos. Brasília superou os problemas dos eventos
pluviais intensos, comportamento característico das chuvas nos períodos de verão
e primavera.
Infelizmente no
DF verificam-se inúmeros problemas relacionados a eventos pluviais extremos,
pois regiões urbanas, cada dia mais abarrotadas de cimento e asfalto, não são
preparadas para receberem a chuva, muito menos um volume de chuva elevado.
Podemos observar muitas ruas sem bocas de lobo para o escoamento da água da
chuva, e as que existem são muito pequenas para aguentar a vazão da água. Na
própria área central de Brasília, no Plano Piloto, todos os anos, temos problemas
com os viadutos, que aqui chamamos de tesourinhas, que a cada ano que passa,
alagam mais ainda. Esse problema tem se intensificado porque essas tesourinhas
estão localizadas em uma área mais rebaixada do terreno. Antigamente, a parte
mais elevada do Plano Piloto era constituída de vegetação e era uma área onde a
água da chuva caía e infiltrava no solo. Hoje, nessas áreas mais elevadas,
foram construídos estacionamentos e edifícios, impermeabilizando a área. Ou
seja, agora, toda a água da chuva que cai lá, não infiltra mais e escoa para as
partes mais baixas – as tesourinhas. Como as bocas de lobo que existem nas
tesourinhas não foram construídas para receber tanta água, acabam alagando.
Isso sem contar a falta de educação da população em jogar lixo na rua que vai
direto para as galerias de águas pluviais. Mas essa é só uma parte do
problema...
Professora Ercília Steinke - Departamento de Geografia da Universidade de Brasília, |
3. Bioclima: Brasília em 2011
comemorou 20 anos como cidade Patrimônio da Humanidade com um alerta sobre o
conforto e a sustentabilidade nas superquadras do Plano Piloto. Com a expansão
de Brasília, que provavelmente, descaracteriza o projeto do plano piloto, a
questão do conforto térmico piorou? Explicite.
Essa questão é
muito delicada para nós, pois perpassa por uma questão social. As áreas nobres
do DF, como o Plano Piloto, onde estão as superquadras, não pode ser alterado,
pois é tombado. Sendo assim, segue o planejamento original, com muita
arborização. A não ser no mês de setembro, quando o tempo fica bem seco e
quente, o conforto térmico, nessas áreas, não chega a ser um problema. Porém,
nas áreas periféricas, onde vive a maioria da população do DF, a conversa é
outra. Nessas áreas há uma intensa e desordenada urbanização. Por isso, as
questões da temperatura do ar e da umidade relativa já são importantes. Já
fizemos um trabalho que detectou que as áreas densamente construídas,
intensamente ocupadas e com elevados índices de calor gerado pelas atividades
antrópicas, apresentam-se, de maneira geral, com menores valores de umidade
relativa e temperaturas mais elevadas do que aquelas áreas que contam com a
presença de vegetação.
4. Bioclima: Agora falando sobre a
questão do ensino de Geografia, a Professor vem desenvolvendo projetos de
ensino de climatologia, no âmbito da Geografia, nos últimos anos. Nesse
contexto, a professora poderia nos apresentar um cenário da atual condição do
ensino de climatologia nos bancos escolares.
Bom, posso falar
da realidade daqui da nossa região. Tenho pesquisado sobre o tema e conversado
com professores e alunos do Ensino Básico. Infelizmente, não vejo mudanças
significativas na hora de ensinar temas de Climatologia na escola. O ensino, de
forma geral, continua enciclopédico. Os alunos ainda são chamados a memorizarem
os tipos de clima do Brasil e os elementos do clima ainda são estudados de
forma compartimentada. Vejo novas propostas sendo elaboradas, mas não colocadas
em prática, elas não chegam nas escolas. A realidade, o espaço vivido pelo
aluno é desconsiderado na hora de estudar Climatologia. Tenho tentado entender
porque isso acontece. Compreendo que existem questões estruturais de ensino nas
escolas, como carga horária, salário e etc, porém, eu tenho absoluta certeza
que, ao invés de memorizar determinados tópicos, os alunos deveraim ser
chamados a investigar os acontecimentos ligados ao tempo e ao clima que ocorrem
perto deles. Garanto que eles iriam aprender. Por exemplo: aqui em Brasília, um
pouco antes de se iniciar nosso período chuvoso, as cigarras começam a cantar
(todo brasiliense sabe disso). Todo mundo sabe que quando elas começam a cantar
significa que a chuva está próxima e que o período chuvoso vai começar. Isso acontece
porque o período de eclosão dos casulos das cigarras só ocorre com a pressão
atmosférica mais baixa e com a umidade em elevação. Tenho absoluta certeza que,
se o professor levasse seus alunos para um jardim (as cigarras estão em todos
os jardins), pegasse uma cigarra (os meninos acham o máximo e as meninas acham
nojento) e falasse sobre isso com eles, eles nunca mais iam esquecer, pois faz
parte da realidade de cada cidadão do DF. Pergunto: não seria muito mais legal
do que ficar memorizando coisas?
5. Bioclima: Para finalizar. Profa.
Ercília, como a Climatologia pode ser ou se transformar em um instrumento de
gestão do espaço. Uma vez, que embora o conceito de cidade sustentável esteja
em evidência, a especulação imobiliária também é intensa. Como a climatologia
se insere nesse debate.
O meio urbano,
onde a especulação imobiliária ganha destaque, apresenta três dimensões, a
social (renda, educação, saúde, segurança), a ambiental (clima, aspectos
físicos, nível de poluição) e a perceptiva (bem-estar e condições de vida).
Porém, acredito que os gestores das cidades, apesar de afirmarem que
compreendem a relação existente entre essas três dimensões, no momento de
qualificar qual delas tem mais ou menos peso, sempre desconsideram os aspectos
climáticos. Isso ocorre, talvez, porque o clima é algo quase abstrato, que não
se enxerga. Já ouvi que o clima é a última coisa em que se deve pensar ao gerir
uma cidade. Se assim for, algumas perguntas devem ser feitas: Ora, como irá
haver bem-estar para a população se o calor produzido pela cidade não for
amenizado por vegetação? Como a população vai conseguir ter boas condições de
vida se seus carros ficam presos em alagamentos promovidos por falta de
drenagem adequada depois de uma chuva intensa? E as doenças de veiculação
hídrica, como evitá-las se a enchente ocorreu? Sem falar na segurança:
recentemente uma menina morreu afogada dentro de um ônibus porque ele ficou
preso dentro de um viaduto durante uma chuva forte. Temos segurança para andar
nas ruas durante esses eventos de chuva? Essas minhas perguntas demonstram o
quanto é importante considerar os aspectos climáticos na gestão do espaço.
Esses aspectos, pelo menos em pouco tempo, não vão mudar. Sendo assim, o que
tem que mudar é a cidade para se adaptar. O que tem que mudar é a cabeça dos
gestores. A cada ano que passa novos alagamentos ocorrem novas enchentes,
deslizamentos. E não adianta colocar a culpa na chuva.
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