domingo, 7 de setembro de 2014

Conversando sobre Climatologia com o Professor Prof. Wilson Flavio Feltrim Roseghini-UFPR

É com imensa alegria que damos continuidade a nossa sessão - conversando sobre  Climatologia. E hoje  conversaremos com o professor Prof. Wilson Flavio Feltrim Roseghini - UFPR. 
Leia a entrevista a seguir.


1. BIOCLIMA. Prof. Wilson Flavio Feltrim Roseghini, em sua Tese de Doutorado, intitulada: Clima urbano e dengue no centro-sudoeste do Brasil, o senhor discutiu a influência do clima urbano e sua relação com a incidência do número de caso de dengue em três cidades brasileiras. Nesse sentido, pergunto o clima urbano foi o fator determinante ou apenas foi mais um fator dentre outros que explica o aumento da incidência da dengue.
Prof. Wilson Flavio Feltrim Roseghini-UFPR

R: Primeiramente, gostaria de agradecer o convite para participar dessa entrevista, é um prazer compartilhar com os colegas da área as experiências vivenciadas ao longo da carreira acadêmica. Em relação a tese, que estudou as cidades de Campo Grande-MS, Ribeirão Preto-SP e Maringá-PR, as três altamente epidêmicas, foi detectada sim uma forte influência do clima urbano na proliferação do vetor da doença, haja visto que o mosquito Aedes Aegypti tem no clima um de seus controladores ambientais. Pesquisas em laboratório apontam que o mosquito tem um ótimo climático relacionado às temperaturas, e é nesse ponto que o clima urbano apresenta forte interferência. Foi identificado um “range” entre 20 e 32 graus que possibilita ao vetor se reproduzir rapidamente, saindo da condição de ovo para alado (adulto) em apenas sete dias, desde que durante esse período a temperatura permaneça o maior número de horas nesse patamar. Baseado nesse “range” foi criado ao longo da tese o Sistema de Alerta Climático de Dengue (SACDENGUE), uma ferramenta baseada em algoritmos que calcula, através de dados de chuva e temperatura, o risco climático de proliferação e reprodução do mosquito.  Como resultado da tese, verificou-se que as ilhas de calor podem criar condições propícias em cidades com temperaturas naturalmente menores (como Maringá), mas que devido ao efeito da urbanização apresentam temperaturas mais elevadas na área central. Por outro lado, a mesma ilha de calor pode causar o incremento do vetor em áreas periféricas ao promover o aumento da temperatura na área central (como no caso de Campo Grande e Ribeirão Preto), deixando-a menos adequada a reprodução rápida do mosquito por apresentar temperatura superior a 30 graus. Quanto às chuvas, o vetor normalmente se reproduz em maior velocidade no final da estação chuvosa, quando é maior a probabilidade de que inúmeros reservatórios estarão cheios (poças d’água, lixo e outros materiais que acumulam água), assim como a própria dinâmica reprodutiva do mosquito que inicia junto com o mesmo período chuvoso. Na pesquisa detectamos que a relação com as chuvas se dá na escala sazonal, apresentando um “delay” de um mês entre o ápice da chuva e o ápice das epidemias para Campo Grande e de 2 a 3 meses para Maringá e Ribeirão Preto. Claro que não devemos descartar as políticas públicas e as condições de saneamento como fatores indispensáveis, mas o clima é sem dúvida um importante “driver” no processo.
Visão parcial do  Lago da UFV

2. BIOCLIMA. O nosso blog tem muitos leitores de todo o Brasil. E gostaríamos de compartilhar com nossos leitores o conhecimento acerca da dinâmica atmosférica e da climatologia no Estado do Paraná e Curitiba, local de realização do XI Simpósio Brasileiro de Climatologia, que será em outubro deste ano.

R: Curitiba localiza-se no primeiro planalto paranaense, entre a Serra do Mar e os dobramentos da escarpa devoniana. Com altitude aproximada de 900 metros e estando ao sul do trópico de Capricórnio, apresenta um clima com características subtropicais, com boa distribuição anual das chuvas e temperaturas baixas no inverno, com ocorrência frequente de geadas e episódios esporádicos de neve. Ao longo do ano, predominam os ventos de leste da Massa Tropical Atlântica (MTA/ASAS), que trazem ventos úmidos do oceano e propiciam nebulosidade persistente ao longo de todo ano, deixando a cidade com um clima cinzento, ameno e bucólico.

3. BIOCLIMA. Em relação ao estudo de clima urbano, o desenvolvimento de novos equipamentos é uma tarefa árdua. Mais ainda se inserir a própria complexidade da dinâmica da cidade. Muitas cidades brasileiras já foram contempladas com estudos nesta área. Mas, a cidade de Curitiba, que apareceu no cenário nacional com uma imagem de cidade organizada, planejada e verde. Como tem sido a incorporação desse conhecimento climático produzido pelo Laboratório de Climatologia da UFPR no contexto da cidade.

R: O Laboclima (Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná) tem um histórico importante de pesquisa no âmbito da climatologia, enfatizando o estudo do clima urbano, eventos extremos e as relações do clima com a saúde. Através de inúmeros projetos, investigamos não somente a cidade de Curitiba, mas também outras cidades do Estado do Paraná e do Brasil. Em relação a incorporação de know-how e estado da arte da climatologia, o Laboclima tem trabalhado de forma crescente com as novas tecnologias de geoprocessamento, modelagem e estações meteorológicas automáticas, aperfeiçoando o conhecimento do clima nas escalas urbana e regional. Recentemente inclusive elaboramos a construção de uma nova proposta de mini-abrigos meteorológicos de PVC, leves e desmontáveis principalmente para estudos de clima urbano que necessitam de maior mobilidade. A Ideia surgiu motivada pela dificuldade anterior encontrada com os abrigos tradicionais de madeira que causavam problemas logísticos e financeiros ao exceder o peso e espaço para transporte. Foram feitos cálculos estatísticos envolvendo os mini-abrigos e os abrigos oficiais do Instituto Nacional de Meteorologia, onde encontramos alta correlação nos valores que habilitam o uso dos mini-abrigos com alta confiabilidade. Outra ferramenta importante criada no Laboclima é o Sistema de Alerta Climático de Dengue (SACDENGUE), sistema no qual são elaborados boletins semanais de risco climático de proliferação da dengue em todo Paraná baseados em dados de chuva e temperatura que são calculados através de um algoritmo que retorna o risco de atuação/reprodução do vetor da doença. As informações do sistema estão abertas ao público no site do Laboclima ( www.laboclima.ufpr.br ) e funciona em parceria com o Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná) que cede os dados diariamente e Secretaria Estadual de Saúde, que dissemina as informações para as regionais.

4. BIOCLIMA. Recentemente, o senhor participou do I Congresso de Geografia da Saúde dos Países de Língua Portuguesa, na cidade de Coimbra, Portugal. E como a temática, no cenário da ciência geográfica está em franca retomada, após seu declínio depois do final do século XIX. O senhor poderia nos colocar a parte do que atualmente são as principais linhas de pesquisa e o estado da arte da Geografia da Saúde e com a Climatologia.

R: Atualmente, as linhas de pesquisa que mais tem relacionado climatologia e saúde estão voltadas para os estudos da influência da temperatura, chuva e poluição na proliferação de doenças como dengue, leptospirose e do trato respiratório, ligadas as emissões de gases poluentes principalmente em áreas urbanas e queimadas provenientes da agricultura. Outra área que tem ganhado destaque são as que envolvem o conforto térmico e o clima urbano, auxiliando no planejamento de planos diretores e construção de edificações ambientalmente corretas, com eficiência energética (menor uso de lâmpadas e ar-condicionado) e captação de água da chuva, melhorando a qualidade de vida (e saúde) da população.

5. BIOCLIMA. Como última questão. Gostaríamos que o senhor, membro da comissão organizadora do XI Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica (SBCG), falasse sobre a importância do evento para a comunidade acadêmica e o que poderemos encontrar no XI SBCG.

R: A importância do Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica (SBCG) mostra-se em sua própria história: são 22 anos desde a primeira edição em Rio Claro – SP, no ano de 1992. De lá para cá foram dez eventos em diferentes regiões do país, e que esse ano retornará a Curitiba pela segunda vez (a última foi em 2002). A temática, intitulada “Variabilidades e mudanças climáticas globais: Estado da arte e perspectivas para a interação sociedade – natureza” é a aglutinadora das conferencias, palestras e debates que serão travados nos quatro dias de realização do evento, buscando a reflexão sobre a problemática das mudanças climáticas globais, assunto de primeira ordem da pauta científica, econômica, cultural e política atualmente. Devido à coincidência do SBCG com a reunião anual da Comissão de Climatologia da União Geográfica Internacional (CoC – UGI) e do Simpósio Paranaense de Estudos Climáticos (SIMPEC), pensamos a ocasião como uma grande oportunidade de se discutir num mesmo evento a ciência em diferentes níveis (internacional, nacional e estadual), ampliando assim o leque de discussão sobre o tema. Desse modo, esperamos que o simpósio seja um espaço não apenas de discussão, mas também a oportunidade de ampliar e fortalecer o contato com os colegas de outros países, fomentando acordos de cooperação de pesquisa entre universidade e institutos e promovendo o intercâmbio de conhecimento da climatologia geográfica brasileira com o mundo.


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