quinta-feira, 9 de abril de 2015

Entrevista com o Prof. Ranyere Nóbrega da UFPE

Bom dia, a todos os leitores interessados na Climatologia. Depois de longo tempo, estamos hoje, felizmente, publicando a mais recente entrevista realizada pelo Bioclima, como Prof. Ranyere Nóbrega do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, que também tem um blog, onde discute as questões climáticas: http://climabr.blogspot.com.br/

O Professor Ranyere - UFPE, possui graduação em Meteorologia pela Universidade Federal da Paraíba (2001), mestrado em Meteorologia pela Universidade Federal de Campina Grande (2003) e doutorado em Meteorologia pela Universidade Federal de Campina Grande (2008). Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Meteorologia Dinâmica, atuando principalmente nos seguintes temas: precipitação, meio ambiente, amazônia, desenvolvimento sustentável e modelagem hidrometeorológica

Boa leitura a todos.

Professor Dr. Ranyere -UFPE.
Entrevista ao Blog de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-MG. Data Abril de 2015.

Professor Dr. Ranyere -UFPE. 

Entrevista ao Blog de Biogeografia e Climatologia da Universidade Federal de Viçosa-MG. 


1. Bioclima: Prof. Ranyere, o nosso blog tem muitas acesso de alunos do ensino médio e fundamental. Então a primeira pergunta vem dentro do contexto da variação sazonal. A cidade de Recife. Qual é o seu comportamento sazonal, quanto à pluviosidade e a temperatura são iguais ao sudeste e centro oeste brasileiro? 

R: A cidade de Recife tem algumas peculiaridades climáticas que podem ser surpresas para alguns, e esta primeira pergunta é muito pertinente. Com relação a sazonalidade da pluviosidade, há dois períodos bem definidos ao longo do ano, o chuvoso, de março a agosto, e o seco, entre outubro e janeiro, sendo os meses de setembro e janeiro considerados de transição entre os períodos. 

Neste contexto, fica claro um aspecto climático do nordeste brasileiro, há considerável variabilidade sazonal da chuva. Os 7 meses do período chuvoso são responsáveis por quase 80% da chuva média anual em Recife, enquanto os 4 meses do período seco, representam, em média, pouco mais de 10% da chuva anual. Em se tratando de volume de precipitação anual, Recife possui valores próximos de cidades da região Norte, com mais de 2.400mm anuais, pelas normais climatológicas do INMET, superior as cidades do Sudeste e Sul do país, estando entre as 10 mais chuvosas da série de 69/90 do INMET. 

Com relação a temperatura, o grande destaque de Recife, é a pequena amplitude térmica anual e diária, devido ao fator da maritimidade. Com temperatura média anual de aproximadamente 25,5º C, a mínima média é 21,8º C e a máxima de 29,2º C. Não há período frio sazonalmente. As temperaturas diminuem pouco durante o inverno austral, mas devido ao aumento da nebulosidade, coincidindo com o período chuvoso. Não há presenças de massa de ar fria, o que ocorre é a diminuição da radiação solar incidente sobre a superfície por causa da nebulosidade. Agora quando pensamos em Nordeste e temperatura máxima, por exemplo, os valores médios de Recife ficam abaixo de muitas cidades do Sudeste brasileiro, inclusive mineiras e paulistas. Enquanto em Aimorés, a Tmáxima média é de 33,9 em fevereiro, em Recife é de 30,2 no mesmo mês. Em compensação, na mesma cidade mineira, a mínima pode chegar aos 15º C durante o inverno, e em Recife não ultrapassa o valor de 20º C, em média. 


2. Bioclima: Em relação aos problemas ambientais. O nordeste vem sofrendo com a desertificação. O senhor poderia nos dar um panorama do atual estágio deste processo e as dificuldades de combatê-lo, no atual contexto em que o Brasil vive de políticas públicas fragmentadas e desarticuladas. 

R: O problema de desertificação no nordeste e a potencial ampliação das dimensões dos núcleos estão, sem dúvida, atrelados às políticas públicas. Algumas características de uso e ocupação do solo produzem degradações ambientais que potencializam as características pedoclimáticas naturais até desencadear o processo de desertificação. Vejamos o exemplo do núcleo de Cabrobó, localizado em Pernambuco. Talvez alguns não imaginem que neste núcleo tenha uma das maiores produções de cebola do Estado. Mas não é apenas cebola, tem arroz, manga, melancia, banana, entre outras. Em um núcleo de desertificação? 

Pois é, porque este núcleo é recortado ao Sul pelo rio São Francisco, então há água para irrigação. Mas, esta irrigação sendo realizada de maneira descontrolada, em um solo salino em quase toda a totalidade, favorece a concentração do cloreto de sódio superficial após a evaporação, tornando uma determinada área rural improdutiva em quatro a cinco ciclos de produção da cultura agrícola. E outra área será degradada para a prática agrícola. Há também o sobrepastoreio, com a presença de gado, em uma região onde deveria haver mais caprinos, entre outros problemas ambientais. No entanto, é importante destacar, neste espaço, que há uma discussão atual sobre a constituição dos núcleos de desertificação. Esta discussão é baseada em trabalhos de campo e monitoramento por sensores remotos que investigam a escala de desertificação dentro dos núcleos. Resultados preliminares vêm indicando que a alguns núcleos foram assim constituídos mais por questões políticas do que ambientais. Esta é uma discussão que ainda terá muito, mas muito o que debater. 


SANTANA, M. O. Atlas das áreas susceptíveis à desertificação do Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2008

3. Bioclima: O processo de verticalização em Recife, uma cidade litorânea, já é capaz de formar ilhas de calor? O senhor poderia exemplificar? 

R: Sim. De fato o intenso processo de verticalização tem formado ilhas de calor com magnitude de até 10º C em determinadas localidades e horários do dia. Por ser litorânea, o processo de verticalização ocorre principalmente no sentido norte-sul. Mas, a ocupação histórica e a produção do espaço atualmente fazem com que as ilhas de calor na cidade sejam multinucleadas, com diversas ilhas ,não apresentando a clássica formação, do centro para periferia. 

4. Bioclima: Agora falando sobre a questão de clima e risco, o Professor poderia nos falar um pouco dessa relação, dentro do contexto urbano, como a cidade de Recife. 
Esta relação clima-risco em Recife, os deslizamentos e a alagamentos urbanos são os principais impactos. Como grande parte do volume de precipitação está concentrada em poucos meses, a infiltração da água lança a capacidade decampo rapidamente, de modo que a impermeabilização e a retirada de vegetação natural, por exemplo, fragilizam as áreas de morro e potencializam o acumulo de água nas áreas de planície. 

Não obstante, surgem os problemas de infraestrutura urbana e saneamento, que são consideráveis para uma região metropolitana da magnitude que é, mesmo comparando com outras metrópoles brasileiras e considerando os problemas intrínsecos a elas. As consequências são vítimas todos os anos, caos nos transportes terrestres, proliferação de doenças, entre outras. Como um dos principais mecanismos produtores de chuva é a brisa, devido a atuação da mTa durante o inverno, praticamente todas as noites do período chuvoso há precipitação fraca, entre as horas 21:00hs as 09:00hs. 

O solo vai absorvendo água até encharcar. Com condições de mesoescala favoráveis a precipitação, ao chegar uma onda de leste (o principal sistema produtor de chuva de Recife), a intensidade da chuva aumenta de maneira considerável e o risco aumenta pelo fator natural. Para dificultar, as ondas de leste são sistemas de difícil previsão meteorológica, e os sistemas de alertas apresentam dificuldades, sobretudo ao prever a magnitude do sistema. 


5. Bioclima: Para finalizar. Prof. Ranyere, o Professor Edmon Nimer, explica em seu livro Climatologia do Brasil, editado em 1979, que o nordeste tinha o seu caráter mais seco em função da chegada das massas de ar sem força ao sertão nordestino, fazendo uma analogia ao ponto final de ônibus. Hoje, a luz dos avanços das pesquisas meteorológicas e da criação de sistemas de monitoramento da Amazônia, qual é o atual estágio de compreensão da situação da dinâmica dos sistemas atmosféricos que controlam a variabilidade sazonal da pluviosidade e da temperatura nas sub-regiões nordestinas. 

Cada vez que eu releio um livro ou texto clássico da climatologia, fico mais impressionado como os autores conseguiam enxergar a relação clima e fisiologia da paisagem sem tantos recursos tecnológicos como tempos hoje. E ainda mais impressionados com o empirismo dos processos físicos. Sem dúvida, a topografia é importante fator geográfico na produção do, como o próprio Nimer denomina, complexo climático do nordeste e sua extraordinária variedade climática. 

Os avanços tecnológicos permitem atualmente uma gama de informações muito mais ampla, refletindo também em avanços conceituais, porém, as gêneses dos conceitos pretéritos não são desfeitas, mas “moldadas”. Por exemplo, o autor comenta sobre o aspecto do vórtice anticiclônico da mTa, mas não tinha como ter conhecimento claros sobre a ocorrência de vórtices ciclonônicos em altos níveis que produzem contrastes acentuados de precipitação no Nordeste, com chuvas nas bordas do sistema e secura no centro. Sistemas transientes, que podem ocorrer em um determinado intervalo de tempo sobre uma localidade e em outro não, fazendo com que as chuvas no sertão nordestino funcionem como uma loteria em alguns momentos. 

Mas, a extensão do território nordestino, tanto latitudinal, quanto longitudinal e a diversidade geomorfológica alteram as características de massas de ar ao passar na região, e esta modificação no espaço geográfico produz alterações na instabilidade atmosférica (que é uma das três principais condições para a formação de chuva), como o autor colocou no livro, algumas vezes usando termos que foram revistos. 

Então, por fim, a compreensão avançou no sentido de uma climatologia dinâmica, contemporânea, porque apesar das limitações dos autores pretéritos, a conceituação vem sendo moldada advindo dos conhecimentos oriundos de fontes de dados modernas. O que faltava era a explicação para os ritmos e arritmias climáticas e uma melhor compreensão da relação entre oceano e atmosfera e as variabilidades interanuais da chuva.

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